segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Fazendo a festa para os outros

Por Lauro Freitas Fº
esporteagito@gmail.com

Apesar dos equipamentos esportivos de altíssimo nível, da organização quase impecável (tirando, é claro, a questão da venda de ingressos e um ou outro problema de infra-estrutura) e do show de hospitalidade e de participação da população local, o grande ausente da festa do Pan do Rio, em julho, foi... o esporte carioca.
No momento em que realizou com brilhantismo o principal evento esportivo das Américas – que até mesmo o “todo-poderoso” presidente da Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), Mario Vásquez Raña, admite ter sido “o melhor Pan da história” – o Rio de Janeiro perdeu a chance de capitalizar em toda sua plenitude o sucesso dos Jogos, uma vez que contribuiu com menos de 10% da delegação brasileira que disputou as competições. É como se o esporte do Rio fosse o “penetra” de uma festa de arromba dada em sua própria casa.
Ex-nadadora olímpica e medalhista pan-americana, a vereadora Patrícia Amorim (foto) vê com tristeza essa situação: “Realmente é triste! Tive o privilégio de ser atleta numa época em que o Rio de Janeiro era referência na prática esportiva nacional. Entendo que as principais estrelas do Pan deveriam ser os nossos atletas, mas infelizmente organizamos a festa para outras estrelas brilharem. O entusiasmo e a alegria dos cariocas fizeram com que o Pan fosse um grande evento, mas somente quando o Rio de Janeiro conseguir implantar uma política esportiva efetiva, esta situação poderá mudar. Por enquanto continuamos perdendo nossos atletas para os estados que oferecem incentivos para a prática esportiva”.

Sinal de alerta
Considerando-se apenas as modalidades mais populares entre os brasileiros, a pouca participação de atletas do Rio nas seleções nacionais que disputaram os Jogos deve servir de alerta para os nossos dirigentes e autoridades esportivas, para que aprendam a lição e comecem, daqui para frente, a fazer corretamente o seu dever de casa.
A equipe de vôlei masculino, a melhor do planeta, atual campeã olímpica e mundial, não tem sequer um atleta carioca em seu plantel. Também pudera! Quantos clubes do Rio hoje têm times de voleibol na categoria principal? Há quanto tempo não se tem um campeonato estadual de vôlei? Qual o time carioca masculino que disputa a Liga Nacional?
No basquete, somando as equipes masculina e feminina, os cariocas somente poderiam se sentir mais ou menos representados pelo armador Marcelinho e mesmo assim forçando muito a barra, porque o atleta – que recentemente foi contratado pelo Flamengo - há um bom tempo não jogava por aqui e, na época do Pan, atuava num clube da Lituânia.
Assim acontece também com as seleções de boxe, futsal e futebol feminino, modalidades praticamente extintas do cenário esportivo carioca.
Há esportes, como o judô e o karatê, nos quais a situação não é tão crítica mas ainda está muito longe de ser a ideal. Segundo colocado no quadro geral de medalhas da modalidade no Pan Rio 2007, o judô fechou sua excelente participação com quatro medalhas de ouro, seis de prata e três de bronze. Dessas 13 medalhas, só duas foram conquistadas por atletas cariocas – João Gabriel Schlitter e Daniela Polzin, ambos com a prata. O terceiro “nativo” na delegação, e grande esperança de medalha de ouro, era Flávio Canto que se lesionou e ficou apenas em quarto lugar na disputa.
Em entrevistas ao site oficial da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro, os medalhistas Daniela Polzin e João Gabriel deixaram claro suas dificuldades para manter o alto nível de suas performances. A judoca, que é arquiteta formada, revelou que há pouco tempo era difícil conseguir treinar com mulheres. “Costumava fazer treinos inteiros sem pegar no quimono de uma menina. Minha dificuldade foi ainda maior por fazer parte de uma categoria de peso do início da tabela, ou seja, a maioria das meninas é muito pesada. Mas não posso reclamar, porque já foi muito pior”.
João Gabriel, por sua vez, comemorou o fato de ter conseguido – graças unicamente a seus próprios resultados – um patrocínio que lhe garante a continuidade dos treinamentos. “O judô ainda é um esporte carente de patrocínio. Como tenho muitos gastos com nutricionistas e suplementação alimentar, que são coisas muito caras, o patrocínio foi um grande incentivo para continuar competindo”, acentuou o medalhista.

Lições do Pan
O presidente da Federação de Judô do estado, Ney Wilson Pereira da Silva, lembra que, embora o Rio seja uma importante vitrine para o esporte, a cidade e as federações estaduais de todas as modalidades ainda não dispõem dos recursos necessários para seguirem adiante sem crises financeiras. “Chega a ser um paradoxo. Às vésperas de realizar dois eventos de grande porte – os Jogos Pan-Americanos e o Mundial de Judô – a nossa Federação passou mais um ano em crise financeira, sem qualquer investimento. E ainda temos que comemorar, pois devido ao grande número de filiados, somos uma das federações menos afetadas por essas constantes crises”, declarou o dirigente.
Contudo, diante de um quadro tão desanimador, a vereadora Patrícia Amorim – que concilia suas atividades parlamentares com a Vice-Presidência de Esportes Olímpicos do Flamengo – ainda consegue ser otimista.
“Recentemente encaminhei para o secretário estadual de Esportes, Turismo e Lazer, Eduardo Paes, a proposta de criação do programa Bolsa Atleta Rio. A intenção é fazer com que os nossos atletas não precisem sair do Rio em busca de melhores condições de treinamento. Na Câmara Municipal apresentei uma emenda para garantir a utilização pública dos equipamentos construídos para o Pan-Americano. Também estou trabalhando junto aos conselhos federal e regional de educação física em busca de parâmetros legais para a prática da educação física escolar. Com os equipamentos de alto nível construídos para os Jogos Pan-Americanos, o Rio terá condições de sediar diversos eventos esportivos e assim buscar o fortalecimento da prática das modalidades olímpicas”, disse a vereadora à reportagem do ESPORTEAGITO.
Agora é esperar que as lições deixadas pelo Pan sejam bem assimiladas e que no caso da cidade vir a sediar as Olimpíadas de 2016, os cariocas possam ser verdadeiramente os donos da festa.

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