quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Opinião / Torcidas organizadas e a eterna impunidade

Antonio Gonçalves*
Maus exemplos de comportamento por parte de torcidas organizadas têm sido freqüentes nos estádios brasileiros, pois a lei que deveria punir é conivente na esmagadora maioria dos casos. Não basta criar legislação proibindo e controlando torcida organizada. O que falta no Brasil é a prática, o procedimento. De que adianta se criar uma lei para ter o cadastro de todos os componentes das torcidas organizadas e não sofrer nenhuma sanção quando acontece alguma briga generalizada, como aconteceu no estádio Couto Pereira, em Curitiba? O Brasil tem o hábito de importar leis de países onde se demonstrou eficácia, mas não o procedimento.
A dúvida da eficácia do procedimento penal nacional paira quando os agressores foram identificados, todavia, serão libertados? Se submeterão ao pagamento de uma multa que será convertida em cestas básicas? E qual a aplicação real de tais medidas? O sistema normativo parece uma autêntica caixa de pandora no que tange às medidas punitivas atreladas aos esportes, pois atos atrozes são corriqueiramente frequentes em jogos de basquete, futebol e demais modalidades nos quais existe a representatividade de um clube de futebol.
A paixão transcende a lucidez da civilidade e a pergunta inevitável: nossas leis são eficientes o suficiente para proteger o torcedor que leva sua família ao estádio? Como lidar com os danos causados? O combate à violência das torcidas organizadas funcionou na Inglaterra, país que tem torcedores muito mais violentos do que os nossos, os chamados “hooligans”. Lá, todos os torcedores são identificados no ato da inscrição na torcida organizada e como os estádios são filmados, se ele for identificado como um dos agressores deve comparecer na delegacia ou juizado na hora do jogo, pois uma das formas de um torcedor apaixonado sofrer e ter a consciência plena do ato provocado é ser privado de sua paixão. Se essa pena fosse convertida em cestas básicas, não teria efeito prático, pois o agressor continuaria tendo acesso aos estádios e a propagar a violência.
O clube também tem papel fundamental do controle das torcidas organizadas, pois muitas vezes contribuem com a manutenção delas, seja no fornecimento de ingressos, passagens, etc. Se forem feitas multas que para o clube, certamente ele vai fazer um controle e fiscalização e até pressão maior nas torcidas organizadas.
Mais uma prova da ineficácia da lei aconteceu recentemente, quando o jogador Vágner Love, do Palmeiras, foi agredido física e verbalmente por supostos integrantes de torcida organizada. Os agressores foram presos, mas não pela agressão, e sim por racismo – crime inafiançável. Foram liberados, mediante pagamento de fiança por agressão, pois a queixa de racismo foi retirada pelo juiz que analisou o caso.
Tais torcidas aproveitam do subterfúgio da lei através do funcionamento por meio de escolas de samba. A Gaviões da Fiel, do Corinthians, por exemplo, é uma escola de samba, assim como a Mancha Alviverde, do Palmeiras, e a Independente, do São Paulo. O problema é identificar quem pertence a qual torcida para poder responsabilizar os infratores e o dirigente da escola.
Uma tentativa na justiça estadual é cadastrar os participantes de todas as agremiações. Só que esse controle é falho. As torcidas organizadas ainda não têm a totalidade de seus componentes cadastrados. Se esse torcedor cometer um ato de violência, pode ser que não seja identificado pela direção da torcida e a impunidade mais uma vez continuará a estampar frequentemente as páginas dos jornais.
*Antonio Gonçalves é advogado e membro consultor da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP

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